Thursday, September 29, 2016

BOA NOITE, MÃE!

(Luz... Porto)


Tento dormir. Está difícil. Mais ainda pra você, eu sei. CTIs são um avanço, mas são tão frios... Tem a luz acesa o tempo todo. Como você nos atormentava em criança e na adolescência! Não se podia acender uma luz na casa que a réstia entrava sorrateira e te acordava. Acabamos aprendendo a driblar você.
Vamos conversar? Eu queria te contar uma dessas histórias que você nos contava. Não tenho os livros aqui. Os daí foram devorados pelas traças. Vou te contar o que fiz ontem. Na minha prática energética, surgiu uma meditação conduzida pela orientadora. Tão linda,mãe. Chega perto que eu te acaricio os cabelos até adormecer como eu fazia em criança. Pensei que tivesse esquecido, mas foi só minha mão adentrar seus cabelos que teimam em não embranquecer, que meus dedos redescobriram o caminho. Caminho só possível em suas melenas. Meus dedos ainda conhecem cada onda, cada curva...
Mas, vamos lá. Vou contando, acariciando os cabelos e dormiremos mais leves. Primeiro eu tinha de me conectar à terra, fincar minhas raizes. Pela primeira vez, senti a lama, o barro. E o cheiro de terra depois da chuva. Sabia que você estava a meu lado. Deveria imaginar a cor azul, mas veio o marrom. Não sou muito obediente na prática, como você deve perceber. Depois de brincar com as plantas, de criar com o barro, de me sentir uma árvore, criei uma ponte. Como me antecipo, já fui colorindo a ponte que era... Sabe o quê, mãe? Um arco-íris. Eu pude atravessar o arco-íris para te ver! Lembrei de Malba Tahan e do livro A Sombra do Arco-Íris. Como gostávamos desse romance! Lembrei também de você me contando O Mágico de Oz, o filme. Eu gostava era do livro. Só aprendi a apreciar Judy Garland muuuuito mais tarde.
Cruzei feliz e saltitante esse arco-íris, levando pedaços de cores e de nuvens até seu coração. Plantei nele uma rosa que floresceu! Uma rosa vermelha, igual à que trago em meu peito, com o miolo dourado. Precisei de uma redoma para evitar que a dor, maus pensamentos, ressentimentos, tristezas ou medos a fizessem fenecer. Consegui uma linda. Com um puxador de ouro. De tão bonita que é até dói de olhar muito pra ela. Mas é dessas dores boas, mãe. Dessas que deixam os olhos úmidos e um sorriso na boca.
Ela coube direitinho no seu coração junto às cores que trouxe do caminho para te alegrar. Não resisti e afastei o que mais havia em seu peito para me fazer pequena e voltar a me aninhar nele. Não interessa o que você leva em seu coração! De agora em diante, não saio mais dele e ponto! Ou você acha que atravessar um arco-íris é fácil? Depois te ensino. São muitas cores! É alto e cheio de nuvens. Quase trouxe pra você o Florzinha das Alturas, mas ele não aguentava de saudades da Emília e foi dar um pulinho no Sítio do Picapau Amarelo. Naquela casinha branca que tantas vezes imaginei. Quando a gente está em um Arco-Íris, é difícil caminhar. A gente só quer se misturar às cores e ser luz. Eu só atravessei porque senti que seu coração esperava por mim.
Vamos aproveitar, pegar uma toalha quadriculada e ficar lendo sob um flamboayant? Rá! Tinha flamboayants pelo caminho. A gente leva chá, pão de minuto, broa. E fica lagarteando, como Pedrinho fazia.
Depois? Depois eu tive de voltar, de me despedir de você. Mas não sou boba nem nada! Dobrei o arco íris bem dobradinho e guardei em meu peito. Agora sigo as estrelas para voltar à minha cama.
Os olhos já me pesam. E os seus, mãe? Pode deixar que não saio de perto até você adormecer.
Boa noite, mãe.
Sua filha,

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