Monday, May 08, 2006



À Camille Claudel
(Luz... Porto)
O que me falta é uma espécie de buraco negro,
Algo que nunca será saciado.
Algo que me devora as entranhas
Quando não encontra o que devorar.
Algo que me consome e me consumirá
Desde o nascimento até minha última morada.
Às vezes essa falta me ilude:
Bandas, bandeiras,festas, príncipes e princesas
Acenam-me como fossem a completude que busco.
Eu, pobre marinheiro enfeitiçado
Pelo canto enganador das sereias
Que me atraem para o sono profundo do mar sem fim,
Sigo qual Quixote, sem Rocinante, nem Dulcinéia,
A golpear moinhos de vento com espadas de papelão.
Sou Belerofonte a perseguir a inatingível Quimera;
Ícaro a tentar abraçar o Sol com suas asas de cera;
Judeu errante,sem Pátria, pouso ou bússola.
O que me falta é essa fome eterna
Que me mantém alerta, acordada, atenta,
Que cria sempre essa tensão constante
E me faz oscilar entre o ser e o não-ser,
Entre a luz e a treva,
Entre o claro e o obscuro,
Entre a loucura e a razão.
É por ela que faço nascer do barro cru de meu ventre ressequido
Amantes em fuga, mãos de afeto, pés, figuras míticas,
Seres estranhos, formas abstratas, pares a bailar,
E eternizo-os em ônix, mármore, bronze.
É por ela que desço a abismos insondáveis,
Que subo montanhas íngremes sem cordas ou grampos,
Que atravesso os sete mares sem saber nadar ou boiar,
Que caminho por fogueiras em brasa com os pés descalços,
Que durmo em camas de prego, nua em pêlo,
Que bebo cicuta, gasolina e ácido,
Que mastigo vidro até transformá-lo em pó.
"Há sempre algo de ausente que me atormenta."

2 Comments:

Blogger BM said...

Da autora: Melhor do que ler essa poesia, é escutá-la na voz da poeta, mesmo que um pouco contrariada, sem querer expor um trabalho mais do que magnífico, ainda assim, ela apresentava com uma magia que lhe é peculiar e a torna Luz...sempre....
Do texto: ausência, ausência perpétua, transtorno, malogro, falta de esperança - o 'nunca' muito enfatizado....O eu-lírico definhando pelo que lhe falta, e aceita isso por meio de ilusões que mascaram a 'dor'...mas sem extirpar.
Esse eu-lírico que não almejou nada que até então fora desejado.
Mas com ardor e persistência aceita toda a penitência da busca incansável de fechar esse 'buraco negro', de suprir, o que é ausente!
Bruna Matos

11 May, 2006 09:12  
Anonymous Anonymous said...

os versos mais bonitos que já vivi.

15 June, 2006 08:01  

Post a Comment

<< Home