Sunday, February 23, 2014

OS TRÊS BEM AMARGOS
PENÉLOPE

(Luz... Porto)

   Ulisses fora o primeiro homem de Penélope. O jovem sucessor ao Trono de Ítaca que viera a Esparta em busca da mão de sua prima, Helena, sabia que poucas seriam suas chances junto à cobiçada princesa.
    Penélope não se fez de rogada. Arranjou uma forma de se encontrarem casualmente nas escadarias do palácio e o amor (?) falou por si.
    Mudou-se com o filho de Sísifo para Ítaca e Ulisses assumiu o papel que ambos julgaram o mais apropriado: pai de família.
    Tudo ia bem até que Helena foi raptada por Páris, em consequência do terrível julgamento urdido pelas Erínias.
    "Falsa", pensava ela. "Helena deve estar bem à vontade em Troia. Agora todos os antigos pretendentes deverão ajudar Menelau a resgatar a esposa e a vingar sua honra."
    Então Penélope, com o coração endurecido, viu seu homem partir. Ela não podia imaginar que seria por tanto tempo...
    Enquanto seu homem guerreava, Penélope criou o filho e administrou o lar com mão de ferro.
    Com o passar dos anos, vários pretendentes se juntaram e começaram a exigir que a rainha escolhesse um substituto para o trono - e para o seu leito.
    Esta parte permaneceu obscura. Penélope fez com que corresse o boato posterior de que ela se propusera a bordar rica tapeçaria e que, ao concluí-la, escolheria o tal pretendente. Fez com que se acreditasse que ela bordava de dia e desfazia o bordado à noite. Aparentemente ela, tão recatada, preferia pintar e bordar nas sombras...
    Mas não, não queria outro homem. Não sabia ao certo se amava Ulisses, mas sabia que era certo amá-lo e que era necessário que ele acreditasse nesse amor. Seu filho precisava de um pai e ela, de um companheiro.
    Todos os estratagemas que ela, à noite, durante várias noites, insuflara no marido adormecido para que ele fugisse da guerra deram com os burros n'água.
    Os anos de batalha foram os mais fáceis. Apesar do perigo da morte, Penélope acreditava que o discípulo de Quíron haveria de sair vencedor, graças à astúcia herdada do pai biológico.
    Mas a volta para casa, ai, essa maldita volta para casa! Não estava em seus planos que fosse tão demorada.
    A cada nova aventura do marido sentia o peito apertar e o coração vir-lhe à boca. E foram muitas, bem, talvez não tantas assim, as mulheres com quem ele topou.
    A cada aperto no peito, ela puxava a coleira invisível com que atara seu Ulisses. Era uma forma segura de saber que ele não se esqueceria dela, que haveria sempre uma sombra entre o marido e a amante que dormisse com ele.
    Uma coisa a telúrica princesa não previu: que ela, ela, a dedicada, a amante, a fiel Penélope, haveria de se cansar do esposo e de suas infindáveis aventuras que ela sabia serem compartilhadas entre os homens nos banquetes regados a vinho.
    A Penélope não interessavam os feitos do marido, suas batalhas, muito menos seus silêncios e o hábito que adquirira (ou que sempre tivera?) de andar ensimesmado.
    Soltou a coleira, deixou que o cão partisse, mas ele, contudo, continuou a seus pés...

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