Tuesday, December 30, 2014



COLCHA DE RETALHOS
(Luz... Porto)


Quis meu Deus fazer de mim
Colcha de retalhos de chita,
Dessas bem vagabundas, 
Baratas, tipo assim, assim.
Deus foi me retalhando o ventre,
As entranhas, num corte-recorte 
Infantil, torto, desencaixado de sorte
Que os filhos com que sonhei 
Nem de longe forma tiveram.
Foi lento o negócio, demorado.
Um entra e sai de cirurgias, hospitais.
Incômodos, sustos, gases, dores.
E toma pedra, quebra pedra.
O talho ficou enorme, disforme.
Na vesícula, erro médico. Quase morri.
Perdi veia, afinaram-me o sangue. 
Sequela de remédios, já sou meio exangue.
Não pude consertar a menopausa precoce, 
A obesidade, as veias na bexiga.
Hipertensão, epilepsia.
Sou boneco de vodu 
Em que deus sádico e cruel 
Erra em dor o que ele chama de arte.
Obstruções, infecções, meu Deus!
Não poderia ter emprestado a estrela
Para um dos reis magos 
Me presentear com um diagnóstico fiel?
Não! Foram treze! Número cabalístico.
Treze especialistas cegos a anteciparem minha passagem
E a não examinarem o que eu tinha. 
Ao décimo-terceiro coube
A revelação de meu estado
Já avançado, não tinha recuperação.
As cordas me cortaram e com custo
Reaprendi, como criança, a falar.
Quando estou melhor, novo susto.
Dessa vez afetado um pulmão.
E a fístula faz com que me afogue
Com comida, saliva, respiração.
Virei um quebra-cabeças malfadado
Nas mãos de um deus perverso
Que se ri e se contorce
E pede: "Mais um, mais um corte"
Com minha desgraça na pele.
Piedade? De quem?
A qual deus recorrer se todos me faltam.
Eu naufrago, mal respiro,
E eles jogam na porrinha
Para ver quem acerta
O dia da minha morte.

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