Saturday, February 03, 2007


MORADA
(Luz... Porto)

A casa onde não mais habito
Habita a minha alma,
Assombrando-a, atormentando-a,
Enchendo-a de nostalgia.
A casa que deixei para trás
Ficou-me na memória,
Mas, ai de mim, herdeira da mãe das Musas,
Não tive filhas assim tão ditosas
Que me distraíssem o pensamento.
Hera condenou-me ao não esquecimento.
Não há lugar pior para se carregar uma casa
Que na memória
Pois o que fica é o que já é findo.
Sei que esse tempo perdido
Nem perdido está.
O tempo perdido paira na imensidão do sem-tempo.
Implodir a casa. Como?
Desfaze-la pedra por pedra,
Tijolo por tijolo, telha por telha
É também sentir-lhe a alma.
Sentir os longos anos de labuta
Gastos em hipoteca infindável. Para quê?
Para vê-la reduzida a um bunker-canil?
Para ver extirpadas as flores-de-maio e os jasmins?
Para se existir nela sem as varandas abertas
E as janelas escancaradas de par em par?
Para abrir a porta empenada que gemia
O cansaço das coisas envelhecendo
Sem pisar no sinteco a refletir o sol canicular?
Para não ter mais jardins, mais varais,
Pardais, andorinhas, rolinhas?
Para não ter mais quintal
Onde se brincava com pedras em lugar de bonecas?
É preciso demolir a casa.
Urge que se desconstrua a casa.
Rogo ao engenheiro bem-intencionado,
Ao arquiteto talentoso
Que nem poderia ter sido, nem fui,
Que me faça tal projeto.
Imploro ao mestre-de-obras
Que ergueu o Edifício Esplendor
Que o execute de cabo a rabo.
Suplico ao padre mais pio,
À mãe-de-santo mais potente
Que a exorcize de mim para sempre.
Agora que já saí de lá
Rezo, todas as noites,
Para que ela saia de vez de mim.

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