Wednesday, January 21, 2015

O MENINO DA SUA MADRINHA


(Luz... Porto)



Para Bernardo Porto



Naquela tarde de 20 de janeiro não fazia calor em Niterói. Não me lembro a razão. Talvez chuvas amenizassem o dia do Padroeiro do Rio. Recordo bem a temperatura pois estava de calça fuseau e camisa de manga comprida. Fui informada – não tínhamos celulares- de que minha irmã, Bernadette, entrara em trabalho de parto. Como ainda demoraria um tempo, ela passeava por Jurujuba com Carvalho.
Vesti-me e fui para a clínica. Bem, clínica não era bem o termo. Ela seria a primeira ou a segunda mulher a dar à luz na CASA DO PARTO, propriedade que fora transformada e adaptada para acolher gestantes que preferissem uma opção mais 'humana' ao parir. O local contava com banheira, cadeira para parto de cócoras e um centro cirúrgico. Este ainda não estava devidamente concluído, o que me causava um certo receio.
Passamos por vários ambientes. O banheiro com a banheira que acolhera pelo menos três dos quatro filhos da proprietária, sala, sala de estar, quarto. Depois de um tempo, Bernadette foi para a banheira. Para mim, permaneceu horas por lá. Gestantes dos grupos de ginástica específica foram vê-la. A dilatação não aumentava.
O sol foi se pondo alaranjado pelos vitrais, formando reflexos multicores contra a parede branca. Depois de mais um tempo, chegaram à conclusão de que o parto na água seria muito difícil. Transferiram-na para outra sala. O parto seria de cócoras. Além do obstetra, havia toda uma equipe. Muitos médicos, enfermeiros e a pediatra. Queriam que o parto fosse filmado. Minha irmã Francisca estava lá, munida de filmadora. Excitadíssima, tomada de emoção. Entrou também na sala, já apinhada.
Não quis entrar. Achava muita confusão. Fiquei em um quarto, sentada na cadeira de balanço, rezando. Entre Padres Nossos, Aves- Marias, salmos 91, abri, ao acaso, um livro de capa dura. Eram as OBRAS POÉTICAS de Fernando Pessoa! Claro! Minha oração foi uma mistura de Antigo e Novo Testamento, com o poeta que não acreditava em nada. Ou melhor, místico, astrólogo e ocultista, Pessoa não cria no Catolicismo. Mas a alquimia poética me soou tão bonita que quem passasse pela porta – e passaram – veria uma mulher calma, serena e tranquila à espera do sobrinho e afilhado. Veriam sim. Mas por dentro, estava em efervescência. "E se fosse necessária uma cirurgia?", "E se o menino precisasse de uma UTI neo-natal?", "E se..." Mas Álvaro de Campos dizia: "Sossega, coração, sossega". Mesmo sendo Caeiro o mais adequado para o momento, com seus rios, árvores, pássaros, eu não conseguia folhear as obras completas, sem me deter, pouco que fosse, em Álvaro.
Lá pelas dez, onze, ele nasceu. Aquele ser pequenininho, o ursinho Bernardo pelo qual nós, viciadas em ursos de pelúcia, tanto ansiávamos, chegara ao nosso mundo. As mãos meio azuladas foram cobertas. Pesaram-no, mediram-no. Aspiraram-no. Por fim o agasalharam. No salão, pai e médicos fumavam havanas e bebiam para comemorar. Minha comemoração foi silenciosa. Fiquei a contemplar o milagre da vida, como se ele tivesse nascido na Manjedoura, e fosse eu uma das pastoras em adoração. Mal ousava tocá-lo, a não ser com os olhos úmidos.
Exausta, Bernadette o segurou e pouco depois, nós outros, também exaustos, retornamos às nossas casas, deixando a imitação da Sagrada Família dormir em paz.

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