Wednesday, February 04, 2015

TRÊS MESES DE GARANTIA

(Luz... Porto)





Ele veio fazer um reparo na minha casa Chegou bem vestido e cheirando a sabonete. Cheiro honesto de macho limpo. Ajudou-me a retirar a louça e o filtro de cima da pia. A cuba despencara, não sei como. Com gentileza arrumava copos, pratos e talheres. Firmemente gentil. Pediu-me panos limpos, como uma parteira se preparando a receber uma nova vida em seus braços.
Trouxe-os. Ele se trocava no banheiro dos fundos. A parte de vidro da porta deixou-me entrever costas bronzeadas pelo sol e músculos sutilmente bem delineados. Saiu já uniformizado. Camisa esburacada, bermuda manchada de tinta. Ambas gastas, usadas, mas limpas. Os pés, como as mãos, eram bem feitos e forte. Másculos.
Pediu que eu me retirasse.
-"Vai fazer muito barulho, Madame. E poeira. Feche a porta para não sujar.”
Tranquei-me em meus aposentos. A porta não cerrava direito e não queria que minha Yorkshire ficasse lambendo detritos.
Adormeci de leve. O vento da praia soprava em meus cabelos. Devo ter sonhado com alguma ilha do Pacífico. Nativos me servindo água de coco e drinks exóticos. O mar batendo suave... Nisso uma onda mais forte me abraça.
Desperto e vejo que minha amiga canina derrubara em mim o jarro d'água que sempre deixo à cabeceira. Dou um pulo. Vejo a hora. Quase meio-dia. Penso que o serviço já terminara. Volto à cozinha. Tudo pronto e limpo. Limpo? Mais limpo do que a faxineira deixava. O chão brilhava. A pia, desamassada, parecia nova. Procuro por ele. Está na área, torso nu, prestes a vestir a camisa. Gotas de suor reluzem em sua pele macia.
Ofereço um banho:
-"Tenho toalha limpa e sabonete fechado.”
-"Não é preciso, Madame".
-"Mas está calor. Você suou..."
Os dentes brancos perolados me explicam em um sorriso:
-“Estou acostumado".
Acrescento:
-"Mas sua roupa está limpa".
Ele contempla a camisa e consente:
-"Se não for incômodo mesmo..."
Entrego-lhe a toalha. Deixo-o sozinho na área de serviço. Cantarola uma Ária! Conheço-a não sei de onde. Começo a esquentar o almoço. Curiosamente escondidinho de aipim com carne seca. Feijão de corda e arroz. Ponho a mesa. Abro uma cerveja. O Adônis dos Serviços Gerais sai com os cabelos lisos e molhados. Balança a cabeleira como um animal selvagem. Um leão, talvez. Aproximando-se da presa, caminha com porte hierático. Sente o cheiro da comida, vê os dois pratos, os dois copos.
-"Como é que a Madame sabia que gosto de carne seca?”
Fascinada pelos olhos negros, respondo à meia-voz:
-"Coincidência".
Conversamos, comemos e bebemos. Ele viera do Norte. Como meu pai.
A mãe cantara no coro da Igreja, o pai tivera um bom armazém, mas o perdera. Gastara tudo o que tinham com a mãe. Doença ruim. Mudaram-se para o Sul. O pai tornara-se zelador e ele, pedreiro.
Terminamos.
-"Quer testar a pia?"
-"Mas já?"
-"A cola seca rápido. Coisa de uma hora.”
E foi tomando os pratos da minha mão e lavando. A Ária voltou. Dessa vez reconheci. Era La Habanera, de Carmen. Uma de minhas preferidas. Sem que me desse conta, meu corpo começou a ensaiar um bailado. Entreguei-lhe a travessa vazia. Nossos dedos se tocaram. Frenesi.Ele me puxou para si pela cintura. Rodopiamos um pouco. ----“Quer ver como o serviço ficou bom?"
E me sentou sobre a bancada.
Os olhos não se desgrudavam dos meus. Começou a me lamber. Rosto, pescoço, braços. Foi se roçando aos poucos. Levantou-me a saia e dilacerou, com os dentes fortes, a calcinha. A torneira, que era móvel, se virou e me encharcou. Arranquei o resto da roupa minha e sua camisa. O cinto ele já tirara.
Possuiu-me ali na pia recém consertada. Uma, duas, três vezes. Não lembro quantas. Exaustos, deitamo-nos no chão meticulosamente limpo. Adormecemos. Acordamos com os últimos raios de sol. Com um sorriso maroto, comentou:
-"Não falei que o serviço era bom?"
E se vestiu me beijando.
Amarfanhada, acompanhei-o ao elevador. Ainda não havia essa praga de câmeras por todo o lado. Deu tempo de uma rapidinha para a despedida. Ao entrar no elevador, soprou-me um beijo e, entregando-me um cartão, murmurou,sorrindo:
-"Garantia de três meses".
A porta se fechou junto com o olho que piscava para mim.


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