Tuesday, October 27, 2015

PRA VOCÊ QUE ME ESQUECEU...


(Luz... Porto)




Depois de uma “longa temporada no Inferno”, sem ver o leonino Caetano, consegui, muito por acaso, ir assisti-lo. Com o incidente bastante desagradável do show da Bethânia, no qual ruído na comunicação fez com que o que julgara mais do que confirmado não o fosse, ficando eu a “ver navios na imensidão”, realmente desistira de ir a shows com vans. Quis o destino porém que eu visse uma postagem da Sonia anunciando dois ingressos para o show de ontem, 24 de outubro. Peguei do celular e confirmei a minha ida.
Fomos em um pequeno grupo de sete, “As Sete Mulheres”, rumo ao Via Parque. Tão distraída estava eu que nem percebi que saíamos cedo para o Metropolitan e não para o Vivo Rio. Encontro uma Barra que definitivamente não era mais a Barra de outrora, nem aquela de três ou quatro anos atrás. Primeira decisão importante: onde e o que comer. A sugestão do Cervantes foi bem aceita. Não tanto por mim, que preferia outro cardápio, mas impossível resistir a uma outra filial daquele que fora o fim de noite em Copa. Sanduíches enormes, com a “inovação” do abacaxi misturado ao tender e ao lombinho. Servidos, muitas vezes no balcão. Começou assim minha viagem no tempo, essa ilusão da qual não escapamos.
Conversa vai, conversa vem, me dou conta de que minha primeira ida ao Metropolitan se dera nos anos 90 com a mesma Aparecida, colega de Cultura Inglesa e CELEMO, para vermos... Caetano e Gil! Tropicália 2. Um showzaço, “visto” da última fila de uma casa absurdamente grande, para os padrões do Canecão, em uma época quando, acho, nem usávamos a Linha Amarela.
Mas vamos ao show. Já o tinha visto pela televisão. Mal-humorada, não o achara grande coisa. Despeito por não estar lá, suponho, ou esquecimento. Esquecimento d que é um show de Caetano. Mais ainda, um show de Caetano acompanhado. As muitas bandeiras no palco me pareceram pretensiosas. Os primeiros acordes do violão, sim foi um show de voz e violão, derreteram a minha capa de pseudo crítica e a Luzia de antigamente, aquela apaixonada por shows, que movia céus e terras para vê-los, deu o ar de sua graça, remoçada. A mesa descontraída e com um astral ótimo que acabou se formando contribuiu para meu deleite e para que eu cantasse quase todas, exceto umas quatro ou cinco, junto com os dois e com, suponho, uma enorme parte da plateia, contrariando o que Alexandre Lemos dissera a respeito de assistirmos a shows quietos e compenetrados. Bem... conversas paralelas não houve.
Não foi apenas uma euforia que senti. Senti-me acalentada com as canções que foram sendo desfiadas nas cordas dos violões plangentes e modernos. Entreguei-me tanto ao espetáculo que não sou capaz de reproduzir as canções que ouvi. Entreguei-me tanto que, um hábito antigo, ressurgiu. Por vezes semicerrava os olhos embevecida com a poesia e a sonoridade e abstraía a imagem. Eles estavam, sim, tocando para mim em um encontro harmonioso de dois grandes amigos de longa data. A casa de shows era apenas uma extensão, bem grande, mas acolhedora, da sala de estar de um deles.
Cada música me remetia a uma época da minha vida. A uma época afetiva. Amigos e namorados estiveram a meu lado sem – pasmem! – mágoas. Sou “boazinha”, mas tenho essa pequena dificuldade de esquecer, de perdoar. “Não há o que perdoar, por isso mesmo é que há de haver mais compaixão”. E, dura que sou comigo, compadeci-me de carregar ainda, lá no fundo, algumas lembranças ruins. Elas se foram, ou foram dar uma volta por aí, e fiquei bem mais leve. Foi um espetáculo leve, a despeito de músicas comoventes como Tonada da Luna Llena , ou densas como Terra , Drão, e uma em que o Gil fala do medo da morte, contrapondo-o ao medo de morrer.
Fiquei seduzida com a voz de Caetano, fascinada com os violões e comovida com o Gil. Tudo de uma simplicidade tão grande que há de ter exigido um grande preparo dos dois. Que cantaram ininterruptamente, sem aparentar qualquer cansaço. Aí me dei conta de que uma dor que se iniciara no show Zii e Zie, há uns cinco anos, poderia ser purgada. “Cantando eu mando a tristeza embora”, já dizia a música que, segundo João Luiz de Souza, seria a “letra imprescindível da canção brasileira”, de acordo com Miele. Tomara eu mande a minha para bem longe. Esse show pode muito bem ter encerrado um ciclo deflagrado em função de uma série de contratempos do último. Afinal, “a fé não costuma faiá”. A minha andou eclipsada por névoas espessas, mas, dizem, está bem presente na minha carta natal.
Digressões à parte, os amigos e namorados não passaram por minha mente ou coração por mero acaso. Lembrei-me mesmo daqueles com quem a relação passava pela MPB. Dos que apreciavam Chico, Gil e Caetano. Bateu solidão. Não, não por ter ido relativamente só. Antes por ter desejado partilhar aquele momento com alguém significativo. Pasme, coração, pasmem, infiéis, que julgam que eu escolheria um amor, mesmo sabendo que “amores do passado no presente repetem velhos temas tão banais”. Mesmo lembrando de um amor que me mostrou outros trabalhos do Caetano. Mesmo ciente do esquecimento a que ele me condenara, mandei-lhe apenas um abraço.
Senti mesmo foi falta do Zé Carlos. O Zé, aquele amigo escorpianamente escorregadio, que não quer tanto contato, alegando que este poderia causar novo estremecimento ou afastamento. O Zé que sempre foi extremamente feliz ao me presentear com pérolas que eu não conhecia, como O CAVALEIRO DAS TREVAS e o DISCO DE BOLSO do PASQUIM, ou com outras que há muito desejava, como o LP CHICO E CAETANO, no Teatro Castro Alves e a inseparável BÍBLIA DE JERUSALÉM, das Paulinas. Ora, Zé, a ampulheta escorre e você não precisa ser tão cruel impondo sua ausência. Deveria tê-lo chamado. Seria seu presente de aniversário. Convite que, minha intuição sussurrou antes mesmo que eu chegasse a elaborar o pensamento, você provavelmente declinaria. Você, como de costume, foi o primeiro a me chamar atenção para certos versos de Drão e de Se eu quiser falar com Deus. Vou dizer mais uma coisa. Mesmo acinzentada, a manhã nasceu azul. Como é bom ter a alma tocada por um instrumento...

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