Thursday, January 11, 2007


GOZOS DA ALMA
(Luz... Porto)
Perguntam-me o que são Gozos da Alma. Ora, para Geraldo Carneiro é fácil: quem enfrentou quimeras pelos sete mares, pôs letra em algum movimento da Sinfonia do Rio de Janeiro, navegou por mares nunca dantes e do Bardo traduziu a Tempestade e sonetos sabe. Ou antes, intui. Nós, espectadores, leitores e ouvintes, graças a deus, não podemos prever quais serão, para o poeta, os Gozos Da Alma.
De minha parte, não sei. Mas esta noite, entre a fímbria névoa que separa o dormir do despertar, vi-me arrastada para o estranho universo criado por Peter Greenaway para Prospero's Book (A Última Tempestade). Num clarão percebi que gozo é líquido, amolda-se ao receptáculo que o contém. Soube que minha alma já o experimentou em algumas raras, mas abençoadas ocasiões.
Às vezes, ao fazermos amor com a pessoa amada, a poesia dos corpos nos toma de tal forma que dos olhos brotam lágrimas. Não são lágrimas de alívio, de tristeza, de excitação. São lágrimas vertidas portque de alguma forma naquela conjunção carne/alma, mapas natais/karmas, entrevemos a eternidade e a plenitude. É nossa alma que goza.
Pode também suceder que certas notas, certas melodias, certas palavras, estando em conjunção harmoniosa, penetrem em nossos ouvidos de forma arrebatadora e experimentamos algo do êxtase místico descrito por Teresa d'Ávila. Tome-se por exemplo os acordes da transcrição para piano da Morte de Isolda feita por Lizst.
Em certos agostos, de céu azul intenso, o contraste entre este e o roxo e o amarelo dos ipês, o vermelho dos bicos-de-papagaio e dos flamboyants assalta-nos a retina enquanto borboletas multicores ruflam suaves suas asas em nosso ombro. Lágrimas furtivas brotam sem querer e supomos, crédulos que somos, que seja um sinal divino a nos desejar "Feliz Aniversário".
O riso de um filho, seu primeiro "mamãe" ou "papai", seus primeiros passos incertos, o primeiro dente que germina da gengiva inchada, fazendo cessar a febre, são elementos capazes de provocar tais gozos.
Por outro lado, a fisionomia de um pai moribundo, acamado, que se ilumina em seu último lampejo (aparente) de consciência a dizer sem palavras "Filha, eu te amo" para depois se entregar sem forças à morte é, definitivamente, um gozo. De adeus, mas um gozo.
Não foi à toa que a Igreja católica dividiu os mistérios em gozosos, dolorosos e gloriosos. O que ela não percebeu, ou não divulgou, é que o grande Mistério de nossa existência é um compósito desses três e que, muitas vezes, o que chamam de "gozo da alma" pode muito bem ser a "glória da alma".

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