Sunday, April 15, 2007


MARIA SEM-VERGONHA
(Luz... Porto)
Á minha segunda filha

Deus me deu uma filha
No tempo de madureza
Quando o ventre, mal semeado,
Já murchou e secou todo o fruto.

Deus, ou o diabo, sabe-se lá,
Me deu uma filha,
Mas não aos poucos, de zigoto a feto.
Deu-me filha já pronta, mal criada,
Geniosa, desengonçada,estragada.

Quis Deus que a encantadora criatura
Me chegasse às mãos ressequidas,
Pela falta de acalanto,
Já formada, já perdida, já achada.

Deus, ou o diabo, se é que ele existe,
Promoveu o encontro dessas almas
Separadas por abismos insondáveis
E por Cronos, deus malévolo e tinhoso,
Que por filhos não nutre lá grandes simpatias.

Quis Ele, ou ele, se é que me entendem,
Que eu me reconhecesse por trás do boné xadrez,
Por dentro dos tímidos olhos de jabuticaba,
Por cima daqueles pés tão cheinhos e bem-feitos,
No enfeite de cabelo infantil em sonho tomado,
Reaparecido por milagre na casa de minha mocidade.

Deus, ou o diabo, ou os dois,
Quis que de meu seio empedernido
Brotasse o leite da partilha,
O mel das noites insones
E o fel que todo amor traz escondido em seu âmago.

Meu fruto, que já soube a verme,
Sabe a provocação, peraltices, implicâncias.
A pequenos objetos discretamente furtados:
Uma toalha aqui, um chinelo ali, uma mala acolá.

Meu fruto, banda de música a encher a casa vazia,
Sabe também a aconchego, a dengo, a carinho e a ciúmes impossíveis.

Meu campo de flores não é de rosas,
Lírios, zínias, orquídeas ou hortênsias,
Mas de margaridas, flores do campo, marias-sem-vergonha
Que, se colhidas de seu habitat natural,
Fenecem qual peixe fora d'água.



3 Comments:

Anonymous Anonymous said...

Volto a saborear teu talento
sempre renovado
como um cafezinho feito na hora
Volto a sentir o perfume de suas flores belas e desavergonhadas
Volto como teu súdito e aprendiz
pois que não me foi dado teu engenho e arte. Volto a beber a água limpa de tuas palavras,fonte permanente ,que hidrata todos os meus sentidos,luz que cria prazer e magia em minha solidão

26 April, 2007 20:47  
Blogger Diogo said...

Estranhamento... Ela que não tem pai e que te cria como se você fosse a filha, mas não é isso? A mãe é a filha entre uma piscada da noite e o amanhecer do dia...

13 August, 2007 07:16  
Blogger Diogo said...

Ela é a própria literatura Luzia... Entendeste? Não! Ah, isso é assunto para muitas conversas... Bjão

21 August, 2007 13:30  

Post a Comment

<< Home