Tuesday, April 29, 2014

A solidão bate na horta

(Luz... Porto)

A Sônia Thiesen


     Já me disseram que cada um de nós traz em si o seu "jardim secreto", com suas flores próprias, vegetação e árvores frondosas.
     No meu jardim convivem, harmoniosos, girassóis, hortênsias e orquídeas. Além de tulipas, é claro. Lírios, flores-de-maio, margaridas, campânulas e begônias. A vegetação é peculiar. Não há limitações de clima nem de solo. O que se planta dá.
     Por vezes eu me esqueço dele. Ervas daninhas crescem, mudas fenecem e, a despeito de meu cóccix dolorido, sou eu que tenho de me abaixar, afofar a terra, adubar, separar o joio do trigo, por assim dizer.
     Não há jardineiro fiel ou infiel que ingresse nesse templo botânico. Não há chave nem portal para isso. Muitos profissionais também se assustariam com o meu canto batizado de "A Aurora da Vida". Nele plantas carnívoras devoram insetos em busca da sobrevivência e a sensação que se tem é a de que fomos transportados ao Dia da Criação.
     É preciso se munir de coragem, se despir de preconceitos, para ver a luta da vida emergir de tal recanto. Por vezes, sente-se asco. Por vezes, maravilhamento. Por outras, vontade de desistir e de submergir nas areias movediças do tempo.
      Mais à esquerda ficam meus temperos, meus legumes, minhas hortaliças. Nessa parte firma-se um desenho labiríntico de tal forma preciso e intrincado que quem o visse do alto haveria de considerá-lo obra de civilizações submersas ou de extra-terrestres.
      Pois, dia desses, não sei como, por descuido meu, eu creio, veio a solidão bater à minha horta. Parece título de poema, mas é verdade. De todas as pragas que já dizimaram o meu jardim de inverno, primavera, verão e outono, essa revelou-se a mais difícil de combater.
Não houve preparo alquímico, feitiço transcedental que a dominasse. Ela se instalou, se imiscuiu, grudou-se às pétalas, às folhas, aos caules, às raízes, formando parte com o todo.
Assustei-me. O que fazer para debelá-la? Até considerei a hipótese da cura pelo fogo. Queimaria aquela parte vital do meu jardim para que tudo renascesse viçoso.
      Meu anjo-da-guarda me alertou: "Quem brinca com fogo..." Bem, eu não brincaria, mas, de fato, poderia destruir os nutrientes daquele solo peculiar. E como recriar o labirinto, o mosaico, os desenhos que a própria Natureza criara com suas mãos?
      Parece-me que a única solução possível seria a de incorporar a solidão à minha exuberante paisagem. Fazer dela uma aliada. Levá-la para passear. Deixar que ela se alastre por todo o jardim. Despertar nela o desejo de se tornar jardineira e cúmplice. Convidá-la para o chá da tarde e, mais tarde, embalar o seu sono com suaves berceuses, recolhidas de meus tempos de criança.
      Quem sabe, assim, ela não desperte renovada e resolva caminhar com suas próprias pernas para outras paragens, deixando-me, finalmente, em paz?.

0 Comments:

Post a Comment

<< Home