Tuesday, June 03, 2014

UM HOMEM VIRTUOSO
(Luz... Porto)
"A arte do político é fazer que seja do interesse de cada um ser virtuoso". Claude Helvetius.



José Barbosa Porto, meu tio, faleceu em 29 de maio de 1994, por volta das 18 ou 19 horas. A impressão que me fica é a de que ele esperou completar seus 40 anos de casado com Vilma, antes de partir.
Dos seis irmãos que sobreviveram à provação de terem nascido no interior de um Nordeste nas primeiras décadas do século XX, foi o tio com quem tive mais contato. E o que conheci melhor. Em parte por ter sido o único a residir em Niterói, em parte por ter sido, tenho certeza, o irmão preferido de meu pai. Se não foi o preferido, foi aquele com quem teve mais afinidade.
José era um homem elegante, esbelto, bem-humorado, honestíssimo e trabalhador. Prezava a família acima de tudo e tinha um vício: a política.
Foi prefeito em Magé na época da ditadura e foi cassado (!!!!!!!!), o que muito atrapalhou a sua vida. Diga-se de passagem, nunca entendi a razão pela qual meu tio, que não era comunista, nem de esquerda, foi cassado e perseguido.
Trabalhou em várias coisas, lutou muito para dar boa educação - e deu- a meus queridos e lindos primos, Fátima, Suzany Porto, Wilson Da Silva Porto e Rosana Porto. Contou com a ajuda de amigos próximos e de meu pai, suponho eu.
Vilma também era incansável. Fazia roupas para as meninas. Lembro de umas blusas que ela tricotara ou algo assim e que ficaram lindas, levando a pirralha de nove anos a sentir uma pontinha de inveja. "Por que minha mãe não costura para mim?", eu me perguntava, um tanto emburrada. Uma vez ouvi uma conversa entre ela e minha mãe. Vilma falava que, para economizar o gás, só o ligava quando o fósforo (nada de fogões automáticos naquele tempo) estava bem perto da boca do fogão. Fiquei emocionada com o carinho que ela demonstrava.
No final dos anos setenta, conseguiu uma boa colocação no Hospital Universitário Pedro Ernesto. Acho que era um ótimo emprego. Não sei quanto ao salário, mas era uma coisa que ele sabia fazer bem: botar a casa em ordem. E ele organizou as coisas por lá. Saía de casa por volta das seis, chegava cedíssimo e saía tarde. Como meu pai também fazia na Atlantic, onde trabalhara. 
Resolvia um monte de pepinos, ajudava um montão de gente que vinha de vários cantos em busca de atendimento. Ninguém me contou. Eu vi. Eu fui atendida lá algumas vezes. Todos o conheciam. E ele conhecia a maioria deles. Essas pessoas, vítimas de uma burocracia emperrada, conseguiam suas consultas, seus exames, suas operações, graças a José que sabia azeitar a máquina como ninguém. Ele sabia humanizar as relações, até por conta de ser um político, nato, na melhor e verdadeira acepção do termo.
Depois da anistia, ele retorna a Magé, tenta se candidatar. Não é eleito por fraude. Fraude que, ironicamente, foi oficialmente reconhecida em 1995, um ano após a sua morte.
O PDT, contudo, insistia na candidatura de meu tio. Ele concorreu a Deputado Estadual e foi eleito em 1990. Votos de cidades distintas. O avô de um namorado meu, da época, fazia campanha por meu tio em Caxias. Simplesmente porque meu tio o ajudou no Pedro Ernesto e o velhinho acreditava nos princípios de José. Isso me emocionou.
Achávamos que, finalmente, viria uma maré mais tranquila para esse homem que lutou sua vida inteira por justiça e por um mundo melhor. Mudou-se para um bom apartamento, que já conseguiria comprar. Deu à minha tia um solitário, que ela exibia com orgulho em suas mãos delicadamente manicuradas e muito bem tratadas. Uma noite saímos para jantar em Friburgo e eles estavam radiantes. Fiquei muito feliz.
Pouco tempo depois, o tumor que ele havia retirado, ressurgiu ou apareceram as metástases. Foi uma fase negra. Meu pai, que sobrevivera ao tumor, também graças à ajuda e ao apoio de José, já não estava mais em idade de se emocionar tanto. Procurávamos poupá-lo. Muito tristes as visitas que fizemos. Mas... Os desígnios de Deus são insondáveis. 
Ele foi internado em um bom hospital no Rio e me lembro de que, no dia 27 ou 28 ele não estava bem. Meu pai não me pediu nada, apenas falou e me olhou, com aqueles olhos que só choraram na minha frente, muito discretamente, quando do falecimento de meus avós, tanto paternos, quanto maternos. Fui visitar meu tio no hospital. Fui me despedir dele, que nem poderia imaginar minha presença ali.
A família exausta, mas inteira. Minha prima Rosana, muito cansada, pois estava trabalhando e minha tia comentava: "O pai preferiria vê-la trabalhando." Provavelmente sim.
Meu tio foi velado na Assembleia Legislativa. Brizola estava lá. Muita gente, diga-se de passagem. O momento mais tocante foi quando Monique, uma criança ainda, filha de Rosana, entregou a ele o seu ursinho de pelúcia para que ele não se sentisse sozinho. Tive, então a certeza poética ( a certeza lógica eu já a tinha) de que sua vida não fora em vão. Ele realmente formara pessoas virtuosas...

1 Comments:

Blogger Renata Guidinha said...

Parabéns pelo relato digno da grandeza de José B Porto. Um homem que deixou exemplo de dignidade e fraternidade.
Conheci muito. Era um grande amigo de minha família e com muito orgulho pude votar nele, não por achar que teria algum benefício com isso, mas por acreditar que ele poderia fazer a diferença em um cenário politico tão sombrio.
Tenho certeza que sua vida valeu a pena sim. Quem dera, outros como ele estivessem na política...

05 September, 2014 16:53  

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