Monday, May 15, 2006


Memória da Pele nº 2
(Luz... Porto)
Nas minhas veias corre sangue espesso como o Subaé,
Poluído como o Velho Chico.
Meus pulmões enchem-se de um vento árido,
Grosso, ressecado, sem prenúncio de chuva.
Meu coração bate ao compasso do baião, do xaxado,
Das incelensas e das ladainhas das carpideiras.
Minha pele fina, branca, européia,
Talvez mediterrânea,
Traz escrita a memória de sal dos pescadores,
Da chibata no lombo dos negros,
Do urucum dos índios caçados no mato,
Das feridas infeccionadas dos bóias-frias.
Nas retinas a sombra do assum preto,
Do carcará, da asa branca, bordam pesadelos
Nas minhas noites sem luar.
Minha garganta traz a sede universal
De um povo a quem negaram água.
As palmas de minha mão trazem estampados
O percurso dos retirantes, a geografia da seca.
Meus pés delicados carregam o peso
Da dor causada por jagunços,
Cangaceiros, com peixeiras e parabelos.
Meu útero todo mês
Sangra a vida não consumada
Dos que morreram desnutridos,
De diarréia, difteria, sarampo,
Ou apenas de fome
Antes de completarem seu primeiro aniversário.
Minha voz, sem voz nem vez,
Uiva e berra o lamento dos retirantes e das viúvas
E geme a saudade
De um quase-paraíso deixado para trás.

1 Comments:

Anonymous Anonymous said...

Corre tudo isso na veia de um povo sofrido!

15 May, 2006 18:10  

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