Saturday, May 03, 2014
A Ilha de Lia
(Luz... Porto)
A Lia Cortese Velloso
A cidade de Lia é uma ilha. Cravada no Mediterrâneo, pequena
ônix, se vista do céu. Poucos a visitam, por conta de suas exíguas dimensões.
Os altos cumes que a cercam me fazem pensar naqueles bolos de aniversário de
antigamente, rodeados de biscoitos Maizena em pé a delimitarem um mundo de
creme e chocolate. Suas areias monazíticas assemelham-se a granulados em
brigadeiros.
À noite um céu de veludo azul profundo, quase marinho,
salpicado de estrelas, contra o tecido, protege e embala
seus poucos moradores. A lua, quando cheia, menstrua seus raios, chamando o
povo para encontros românticos ao redor das fogueiras. Os nativos se enfeitam
com colares e tiaras de flores silvestres, embriagam-se de leve com suaves
beberagens e empenham-se nas danças melifluamente sensuais que caracterizam
tais festivais.
A rota para a ilha é mutante, depende do sabor das marés e
só quem as conhece, quem traz na alma as ondulações e sabe reproduzi-las no
corpo, é capaz de reconhecer o itinerário oscilante e aquático que leva à
cidade. Lia, delícia, deleite, dálias às mancheias. Lia, cheia de regalias,
regalos escondidos, grama macia, pedras alisadas pelas mãos do oceano, árvores
transbordando em frutos suculentos, flores exuberantes em cheiros, cores e
texturas. Lia, sina desse quixotesco cavaleiro da triste figura, que singra
mares, rompe florestas, sangra pés em cascalhos nada amigáveis, só para poder
mirar seu semblante pacífico, mármore esculpido por Michelangelo, ossos fortes
e belos, tez lisa, olhos-mares profundos, seios rotundos, ventre pacífico,
penugem suave, coxas firmes, panturrilhas de bailarina, pés de gazela.
Lia, cujo cheiro indecifrável ilude e atrai marinheiros e,
menina-sereia, devora-os à ceia. Lia, olor de matas, de baunilha, de frutas
silvestres, de mel de abelhas. Lia, com quem sempre eu sonhara, que esculpira
em pranchas de Rorschach, em telas impressionistas, com manchas de Gauguin, nas
madrugadas insones em meus mais loucos devaneios.
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