Saturday, June 17, 2006


De Profundis
(Luz... Porto)
Meu pensamento tornou-se obsessivo.
Meu caminho se repete 'ad infinitum'.
Por que sou eu o elo perdido de minha cadeia evolutiva?
Por que sou sempre reprovada na escola da vida
E tenho que refazer várias vezes os meus passos,
Encontrar as mesmas pedras, atravessar os mesmos abismos?
Quando virá o Embuçado, aquele que com sua espada
Cortará a floresta de espinhos venenosos
Que me separam de mim mesma, de meu destino?
Ou será que cabe a mim a sina
De ser apenas Aurora, a princesa eternamente adormecida
E imutável no seu leito-féretro de rosas esmaecidas?
Se for isso, por que me terá dado Deus
O perfil astrológico que me deu?
Teria Ele querido zombar da condição humana,
De mim, vestindo-me de veludo púrpura,
Dando-me coroa e cetro,
A mim, mera serviçal, mera escrava?
Por que teria Ele me dado o brasão da realeza,
Logo a mim, simples copeira de palácio?
Por que teria eu nascido com essa angústia,
Essa agonia, que de mim nunca se dissociam?
Se há um novo caminho,
Por que são meus olhos cegos a ele?
Se há novas estradas,
Por que não tenho eu sapatos
Que me caibam para desbravá-los?
Se minha alma é bailarina, musicista, cantora,
Por que meu corpo não tem coordenação, ritmo ou voz?
Será o fado a mim destinado
O de ser a mera observadora enjaulada
De um grande espetáculo de luz, de som, de fúria?
Será este o meu carma:
Ter de assistir de camarote
À vida que se me desfila
Sedutora ante os olhos marejados
Sem que meu corpo possa efetuar o menor movimento
Para dela participar, modificando o seu trajeto?
Se trago no ventre as sementes da maçã
Por que não me brotaram as macieiras?
Seriam as sementes podres
Ou tê-las-ia eu plantado em solo ingrato?
Será que me assiste o direito de lamentar
Se o que me reserva a vida,
Em última análise, é o sono,
É esse mundo onírico e inconsciente
Ao qual devo finalmente me entregar?

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