Saturday, June 17, 2006


Saturnal
(Luz... Porto)

Se eu pudesse escolher o meu desejo,
Eu queria renascer em outro corpo,
Outra alma, outro país, outra memória
Ou com a bênção da não-lembrança.
Nem sei se seria mulher, fêmea, menina, matriz.
Talvez fosse macho, homem, áspero, cortante e viril.
Mas seria morena, cor de jambo
Como os mouros. Lisos cabelos azeviche.
Profundos olhos negros e um espírito prático.
Não seria mais um leão de fogo
A consumir-me eternamente
Em amor, desejo, ânsia de criar.
Seria antes touro-terra, ou melhor, capricórnio:
Cabra selvagem, teimosa, auto-suficiente,
Auge do inverno, a vencer, escalar montanhas.
Fria, pouco sentimental e determinada.
Saturnina, obstinada, rocha imutável, impenetrável.
Bastar-me-ia a mim mesma:
Ermitã solitária dos bosques
Ou executivo entronado
Em rica cadeira de alto espaldar.
Teria homens ou mulheres a meu redor
Que de tudo fariam para me ter.
E saberia escolhê-los a dedo, conforme minha conveniência.
Apaixonar-me, luxo desnecessário
A um monge ensimesmado, não aconteceria.
Seria eu a manipulá-los, a segurar,
Com mãos calejadas e dentes fortes,
As rédeas do cavalo de meu desejo.
E, quando a neve cobrisse de todo minha cabeça,
Quando o Tempo tornasse-me o rosto,
Papiro resistente, cheio de hieróglifos,
Pudesse ser eu admirada
Por meus feitos, minhas conquistas,
Meu tesouro: projeto concreto levado ao fim,
Por minha família frondosa,
Árvore arraigada em solo firme
Da qual eu seria a matriarca respeitada.

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