Saturday, December 19, 2015



"NUM CARGUEIRO PARA NUNCA MAIS"

(Luz... Porto)




A primeira vez que ouvi PORTO SANTO foi em um show da Sueli Costa. Na UFF? Em algum bar de Botafogo? Fiquei fascinada e um pouco assustada com a canção que muito me emocionou. Uma das minhas favoritas, tanto da Sueli, quanto do Paulo César Pinheiro. Não me lembro o ano.
A primeira vez que ouvi falar de Selma Reis estava em um sebo de LPs no Centro de Niterói. Achei um disco de capa branca, autografado, onde se lia apenas o nome da cantora SELMA REIS. Um rosto marcante, grossas sobrancelhas, um cabelão. Novinha. Também eu era novinha. Virei o álbum e vi o repertório. Tinha FADO de Danilo Caymmi e Helena Jobim. E duas composições da Sueli. AMOR É OUTRA LIBERDADE e outra, que eu não conhecia. GARRAFAS VAZIAS, parceria com Capinam. Levei-o correndo para casa, com medo de que algum aventureiro lançasse mão. 
Na vitrola, uma voz grave, potente, afinada e sonora se fez ouvir. Fiquei encantada. Gostei muito do trabalho e da voz. Procurei saber da moça. Em vão. No final dos anos 80 não tínhamos esse acesso à Internet. O nome não me saía da cabeça e, um dia, soube de um show dela. Fui assistir. Adorei. Ela cantou EMOÇÕES SUBURBANAS, de Altay Veloso e soube que era minha quase "vizinha". A moça era de São Gonçalo.
Pouco depois ela lançou seu segundo álbum (o meu favorito), primeiro para alguns, já que o anterior fora independente. Lá estavam PORTO SANTO e BAILARINA DO AR, parceria da Sueli com Paulo César Feital. Show no Canecão. A plateia vibrava. Vieram outros álbuns, outros shows. Participações em novelas, minisséries. A cigana de PRESENÇA DE ANITA. Também era atriz, a danada! E tinha formação clássica, se não me engano. Gravou um álbum de música sacra/clássica, SAGRADO.
Minha noite foi agitada, com muitos sonhos estranhos. Quando soube do falecimento da Selma, pus-me a imaginar sua última noite. Que audácia, a minha! Mas veio mais rápido que qualquer raciocínio. Ela sonhava. Caminhava pelas águas até um porto. Havia santos. São Francisco, São Pedro, São Paulo, Maria e Santa Bárbara. No porto não havia ninguém. Parada, absorta, ela olhava pro além e embarcava num cargueiro para o nunca mais.
Chorei com a imagem e a canção que me vieram céleres ao ser informada de sua passagem. E o final da canção martelava em minha mente. Súbito me dou conta da TERRA DO NUNCA. Talvez o "nunca mais" seja um lugar assim. Onde o tempo não passa, as dores cessam, o tempo é ameno e basta uma pitada do pó de pirlimpimpim para voarmos. As asas do albatroz já não serão necessárias, Selma. No NUNCA, que, incrédulos, tomamos como negativo e ruim, você pode se juntar ao coro dos anjos e rogar por nós, como faz Maria, a quem você dedicou um álbum. 
É tempo de saudade, de muita saudade. Até o momento em que também embarcaremos, solitários e sozinhos, no mesmo cargueiro, na mesma barca de Caronte, e nos encontraremos de novo, segundo nossas afinidades. 
Até breve, querida. Obrigada por ter enfeitado tanto as nossas vidas, nos alegrado e emocionado. Esteja em paz .