Monday, June 19, 2006


Encontro Marcado
(Luz... Porto)

Este é o momento em que se calam as vozes.
Em que a pedra na garganta sufoca o grito.
Em que o chumbo da opressão turva o olhar.
Esta é a hora em que os pássaros silenciam.
Em que as cachoeiras emudecem.
Em que as mãos perdem o tato.
Este é o instante em que o silêncio ensurdece.
Em que a razão ensandece.
Em que nada mais resta a não ser o travo na língua.
É chegado o tempo do despojar-se
Em que as ilusões caem por terra,
Em que a alma se desnuda e se revela nua e só
Em meio à eternidade do sem-fim.
À Cristiane, in memoriam

Sunday, June 18, 2006


Spa orgânico
(Luz... Porto)
Pousa tua cabeça no meu ombro
E repousa o corpo cansado no meu
Mata tua sede na minha saliva
E bebe minhas lágrimas de sal e gelo.
Aquece tuas mãos no meu regaço
E ampara tua dor nos meus braços.
Emaranha-te nas pontas de meu cabelo
E sorri dentro em meus olhos.
Adormece tua agonia em minha pele
E cala teu sofrimento a meu lado.


PETRA
(Luz... Porto)
No meio da garganta havia uma pedra.
Em lugar do coração jazia uma pedra.
O sexo, cansado, era protegido por uma pedra.
Nessa fábula de Midas às avessas
As pedras não são pepitas de ouro.
A carne não é músculo, tecido, nervos, sangue.
Apenas a rocha fria, eternamente mineral...
Ou seriam cristais de oxalato de cálcio?
Não importa.
O fato é que a vida se lhe empedrara.
Feitiço de alguma bruxa , malvada?
Praga de madrinha?
Tudo virou pedra.
O sangue enrijeceu-se nas artérias coaguladas
E os pulmões, os brônquios viraram pedra-pomes.
Aquele Golem não judaico
Prosseguia, insistia, resistia tolamente.
Seu olhar petrificado qual Medusa
Não se enternecia com mais nada.
Cansada de sofrer, abandonou o prazer
Por vir este sempre acompanhado da dor.
E a dor fôra tanta
Que já nem a sentia mais.
Num movimento anti-Gênesis
Não voltou ao pó de que viera,
Mas à rocha bruta, irmã do barro.
Rocha talhada com cinzel, sem anestesia.
Rocha que precedeu o nascimento do Homem
E que lhe servirá de lápide no cerrar das cortinas.


JUNHO
(Luz... Porto)

Subitamente irrompe-se a porta num clarão.
Olhos se abrem lentamente em meio à
Névoa do sonho e à luz do sol.
Hoje acordaremos cedo,
Os jardins se abrirão em flores
Suculentas, úmidas, multicores

E o verde da grama, da relva,
Resplandecerá por sob o
Orvalho da noite recém-finda.
Tico-ticos, sabiás, colibris
Invadirão o azul do céu da manhã
Cinzenta do nosso outono febril.
Os mares se esverdearão:
Sargaços, algas, plâncton e sêmen

De peixes e baleias no cio.
Exóticos animais, submersos para todo o sempre,

Umedecerão nossos olhos marejados de
Maresia, poeira, fuligem e lembranças
Ambientadas nas gavetas secretas de nossas almas

Nuas, noctívagas, errantes. Embriagadas na
Orgia do desejo não consumado:
Inquietas, trôpegas, sonâmbulas,
Tateando no escuro de suas moradas
Em que habitam tijolos, azulejos,traças e mofo.

Devaneios, delírios, voragem,
Expostos aos olhos crus da paixão

Outrora renegada, sufocada, reprimida,
Ultrajada pelo escárnio, ironia, desdém de
Todos os que as cercavam. Pobres almas
Oriundas de eras tão distantes,
Nunca ou quase nunca visitadas por
Outras almas comuns e banais.