Thursday, July 16, 2009


VOTIVA
(Luz... Porto)

Qual vela votiva em altar pagão
Consumo-me noite e dia e o meu penar
Esvai-se em lágrimas negras e rubras.
Sangue e morte entremeando-se em estranho pulsar:
Arrítmico, oco, bradicárdico coração.
Espero apenas que venhas e me cubras
Com a mortalha que teci nas noites varadas,
Aquela que dilaceraste ao fechares-me a porta.
Cerze-a, cola-a, remenda-lhe os pedaços esparsos,
Espalhados ao léu, à chuva, atrás de teus passos.
Resssuscita meu coração, inda que a marteladas
Para que eu possa dar meu último suspiro antes de morta.


BODAS DE PAPEL
(Luz... Porto)


“Um dia ele chegou tão diferente”... Sim. Mas há quanto estava essa diferença? Fazia tanto tempo que ela nem podia dizer. Só descobrira um pouco tarde demais que corpos frios não tornam a se aquecer depois de inverno rígido e severo. Corpos frios são mortos. Cadáveres. Pouco ilustres...
Quando a luz dos olhos se torna névoa é porque a catarata não tarda. Para catarata de amor não há laser. Não há explicação. Um dia Ele se vai e você fica como? Você fica. Atolada na areia movediça de seus pesadelos. O Amor voa, liberta. A Si mesmo. Não a você. A você ele a tem prisioneira, mofada, úmida, gosmenta. Atirada ao covil de suas feras domésticas, ao covil de seu lar despedaçado. Nunca refeito, nunca composto.
Não há saída. Só há Jobim. Não importa a quem você ame ou quem sonhe amar. O gozo do encantamento será sempre esmigalhado pelas rugas causadas por um sol inclemente e real. De um sol que a tudo vê.
Quando o desejo se vai, ele não volta. Se voltar, não é desejo: é outra coisa. Outro simulacro de ilusão. “Cortemos os pulsos”! “Cortemos os pulsos”!, dizem as navalhas sem fio, as gillettes e os Gilles imprestáveis.
E se a morte nos for a única realidade? E se já estivermos mortos sem o saber?
Deveria ser proibido por Lei Divina sentir essa dor. A dor da partida, a dor da perda, a dor de arrumar o quarto do filho que já morreu. A dor de se pressentir a partida. A dor de ser rejeitada. Das mãos que “estão muito frias”. No fundo, é nojo. Nojo do toque. Minhas mãos devem estar sujas. Cortemo-las, pois. Minha língua há de saber à saburra causada por cigarros baratos e em minha saliva reside a borra dos garrafões de vinho adocicados e com prazo de validade vencido.
Não desperto mais desejo. Mas o Desejo me desperta, me atiça, me instiga. Me faz olhar o fundo do poço e querer mergulhar, eu que nem nadar sei, para ver se finalmente encontro a mim e a minha paz.
Ele finge ressonar profundo, Finge não saber do fim iminente. Dez meses, dez anos, não há data. “Nosso dia é todo dia”. Logo, nenhum dia. Já não há mais dias, Hesíodo. Só o trabalho estéril. A falta de fruto.
Outra semente já dorme em seu coração. Loura? Sabe-se lá. Cabelos lisos? Provavelmente. Mais jovem? Certamente. Queria fincar uma estaca em seu coração e aos dois matar. Mas não pode. Falha a mão. Fala o Amor mais alto.
A semente faz com que ele prefira o vazio na cama à presença dela. A seu corpo quente que se resfria. O sorriso dela paralisa-se em esgar de horror.
Ele vê televisão, sente frio, está com sono. É preciso sentir saudade. Ela sente o sal na carne viva de sua feridas abertas. O celular está sem sinal, o dektop pifou, a conta bancária, vazia. Que dor! Que dor! Que dor! Deve ser muito covarde para ainda não ter se matado. Ou tão inerte que nem isso sabe fazer. E se já estiver morta em vida? Se for apenas um zumbi?
Ele ronca. Ela se rói.

Sunday, July 12, 2009


A Mulher de Oslo

(Luz... Porto)


A mulher de Oslo me cerca,

Me ronda, me enreda, amedronta,

Com seus cabelos surpreendentemente cacheados,

Seus olhos de sal e seu ar de tonta.


A mulher de Oslo me encara,

Me fita, me abre lânguida o olhar,

Em moldura enevoada preta e branca

E em sua voz rouca me traz o mar.


A mulher de Oslo, quem diria,

Achei-a perdida num blog qualquer,

Num quadrado vermelho, sem encarte sequer,

E, para mim, como se ria sua exótica figura fria.


Essa mulher, que sabe a nórdicos fiordes,

Já a vira em capa de livro de contos.

Éramos crianças, eu, ela e meu sonho.

E transportada era ela em asas de pombos.


A mulher de Oslo, tenho certeza,

É a feiticeira dos contos de fada russos

Que minha mãe nunca ao pé da cama me lera

Mas que a curiosidade me fez folhear de bruços.


Sob o fraco sol de Oslo eu me vejo:

Valsa de Strauss, em sapatos de cristal a bailar

Com essa mulher-esfinge-serpente-medéia

Até que eu possa ao ventre de Gaia retornar.