Tuesday, January 26, 2016

TODAS AS CARTAS DE AMOR SÃO RIDÍCULAS

(Luz... Porto)


Hoje eu deveria ter escrito sobre Tom Jobim. Pois não é que uma amiga posta a imagem de uma carta de amor, com florzinha e tudo? Cartas, cartas... Diz-me um amigo carteiro que eles não entregam mais cartas. Apenas faturas, contas, uns míseros extratos... E encomendas. Pergunto-me então para que servem os Correios. Qual a graça de se esperar pelo carteiro, que conhecíamos de nome, moradores de casas?
Pois mesmo não sendo de Itabira nem de São Paulo, fui uma correspondente contumaz. Ainda guardo muitas cartas e cartões que recebi e rascunhos de tantas que escrevi. As minhas, as que foram enviadas, por onde andarão? Creio que a maioria foi para o lixo mesmo. Queimadas, talvez, uma ou outra. Rasgadas? Quem sabe... Uma pena. Os felizes ou infelizes destinatários de tais cartas poucas vezes terão encontrado correspondente à minha altura. Os detalhes, o papel, os cartões... Perfume, ocasionalmente.
Sei que pareço ousada ou convencida ao dizer isto, mas descendo de um ilustre funcionário dos Correios de Cantagalo: Accacio Marques. Minha avó querida, Irene, também trabalhou uma época nos Correios para comprar "seus alfinetes" (acredito que algo mais que alfinetes, mas sei que o rouge e o batom, posteriormente proibidos por meu avô ciumento, não faltavam.) Minha avó escrevia cartas, namorava por meio delas. Mamãe as escrevia em profusão nas mais variadas efemérides.
Confesso que sempre gostei de cartas de amor. Aliás, sempre namorei via ECT e via Embratel. Não sou da época do namoro online. Escrevi muito mais do que pus no papel. Escrevia-as na rua, no banho, nas reuniões de trabalho. Rascunhava-as na cabeça. Algumas chegavam a ser redigidas e, em número menor, enviadas e recebidas. Recebimento nem sempre acusado, devo acrescentar.
Esses pedaços de mim, tais como as cinzas de alguém cremado, espalharam-se pelas ruas, avenidas, mares, cruzaram oceanos, subiram à atmosfera para cairem, pelo milagre alquímico da transmutação, sob a forma de chuva, adubaram plantas. Conforta-me pensar assim. Eu, tão fragmentada, como um deus Osíris, sendo recolhida e abraçada por Ísis, a mãe Natureza. Meio Walt Whitman com suas Folhas de Relva. Muita pretensão, imagino, mas os leitores hão de convir que há momentos em que é a pretensão que nos impede de sucumbir de vez.
Vocês que as receberam nem devem mais pensar em mim. Não passo de um borrão nem sempre agradável na bruma do esquecimento. Em alguns casos, um retrato (ausente) na parede. Que, ao contrário de Itabira, certamente NÃO dói. Guardo as de vocês, exceto as que, em acessos de fúria de mulher traída, queimei, e as outras que se perderam nas "ruínas de Pompeia", forma carinhosa de me referir ao antigo quarto em casa de minha mãe. Deixei algumas coisas lá quando mudei. Não havia como desmontar os móveis que, com muito custo, meu pai mandara fazer sob medida. Imagino que minha irmã tenha mexido em alguns locais para arranjar espaço para as coisas dela,logo ela, que ocupa uma casa grande, e as tenha deslocado ou se livrado delas. Algumas cartas não encontrei mais.
Se eu voltar a escrever cartas, haverá carteiros para entregá-las? Quem sabe não pego de novo da pena e volto a enviar missivas para amigos virtuais? Sei que me sentirei mais próxima deles assim.
Cartas, cartas, cartas... "Na fotografia estamos felizes..." Estávamos? Terei pensado nelas devido à adaptação do clássico do romance epistolar: "As Ligações Perigosas"? Ou pela saudade dos livros "Nunca te vi, sempre te amei" e " Griffin e Sabine"? Vai saber... Talvez seja apenas o inverno que se aproxima...