Thursday, August 17, 2006


Queixa
(Luz... Porto)
Mote inspirado em uma inconfidência ouvida
pela área de ventilação de certo prédio
Acusas-me de estar explorando
Com mãos atrevidas
Regiões de teu corpo
Ainda não visitadas.
Quem és tu para te queixares,
Se és tu
Que andas a percorrer
Mares nunca dantes navegados
De minha alma líquida,
Rarefeita, plasmática?
Banhas-te em riachos virgens
Cercados por florestas densas
Aquecidas por um sol tépido e laranja.
Deitas-te na relva úmida de orvalho
E repousas tua alma sonolenta.
Caminhas por entre sendas
Que nem eu visitara.
Escalas montes, vislumbras vales
Que eu apenas em sonhos intuíra.
Desvirginas assim o mais íntimo em mim,
Despindo-me a alma
Para que ela possa
Enfim apresentar-se ao Criador
Tal como foi gerada,
Sem máscaras ou véus.


Insone
(Luz... Porto)
Sacudido por espasmos
Qual Vesúvio prestes a explodir,
Meu frágil corpo se contorce,
Tomado de choro convulsivo
A sair-me dos olhos,
Da garganta muda,
Das entranhas secas.
Que emoção será esta?
Vem de mansinho no escuro
E me toma, Súcubo sorrateiro.
Não sei. Desconheço-a.
Nostalgia do presente?
Fome do não-vivido?
Saudade do que já se foi,
Deixando-me só nesta casa vazia?
Neste meio tempo
Engravido-me de mar.
Rego a semente em mim deixada
Com lágrimas férteis.
E espero. Espero. Espero...
Na minha necrópsia
Hão de encontrar em meu ventre
A pérola negra, torta, mal-formada,
Que gestei nas minhas noites insones.



Mal do século
(Luz... Porto)
Contemplo os teus cabelos
E o contraste que fazem
Contra a cortina branca.
Não é a primeira vez que olho os teus cabelos
Mas é a primeira vez que olho os teus cabelos.
Eles mudam de cor conforme a luz.
Toco teus cabelos sedosos
E um arrepio percorre-me a espinha.
Teu desejo desvirginou-me o olhar
E me encontro cega diante da luz.
Eu, que tanto amo véus,
Transparências e mortalhas,
Vejo então que como Adão e Eva
Ao serem expulsos do Jardim do Éden
Estou nua, de uma nudez total,
Anterior à minha própria concepção.
Tento fechar meus olhos
Para proteger meu pobre corpo
Mas a mancha castanha dos teus
Me seduz e atrai a sendas não trilhadas.
Sinto apenas as lágrimas escorrerem
Grossas e lentas pelos sulcos de meu rosto
Que te contempla patético.
Percebo, finalmente,
Que fui acometida por um ataque súbito
De Poesia Aguda, severo e letal.

Wednesday, August 16, 2006


Poema-processo
(Luz... Porto)
Nosso amor é um poema em construção.
Poderia dizer que teu corpo é um poema
E não estaria faltando com a verdade,
Mas mais que teu corpo - já tão celebrado-
Ouso dizer que a maior beleza
Está na interação, na dinâmica
E não na estática.
Quando fazemos amor
São flores que brotam à nossa volta,
Arco-íris, potes de ouro, estrelas cadentes.
Montes surgem do nada, mares se abrem
E nos tragam para o seu leito profundo.
Árvores povoam-se de frutos,
Pássaros voam, borboletas bailam
E tudo se desfaz como pó
Para então outras paisagens
Serem descortinadas, entrevistas.
É o balé de nossos corpos suados,
O baile de nossas línguas sedentas,
Céus em fogo em nossas bocas,
Cometas flamejantes em nossos olhos.
Teu sexo no meu sexo
Prestes a desaguar o prazer
Líquido, plasmático, viscoso
Que compõe o mais íntimo em ti.
Maremotos, tsunamis, vendavais
Que arrasam quarteirões destróem nossos corpos
Até a enchente final lançá-los ao solo,
Exaustos, exauridos, exangües,
À espera de uma nova onda de desejo
Que os reanime, recomeçando o ciclo mais uma vez.