NOCTÍVAGA
Tuesday, May 20, 2014
RESPOSTA
(Luz... Porto)
A felicidade passou longe
Dessa amiga que é besta.
Com disfunções sinápticas,
Não sabe procurar onde
Tal senhora se esconde.
Podem ser os tais hormônios
Ou síndrome que a acomete
E tudo o que lhe resta
São instantes, momentos,
Em que põe à cara a máscara
De rímel, blush e batom.
Cola um sorriso ao rosto.
E sai pela rua dizendo
Que este mundo é lugar bom.
ODALISCA
(Luz... Porto)
Em dança exótica tiro um a um
Meus sete véus de odalisca cigana.
Por terra cai meu vestido triste,
Girassol desbotado e amarelo.
Sou então sua fêmea ardilosa
Que ora se esquiva, ora se joga lânguida.
Com a cimitarra corto-lhe a asa.
Enredo-o em minha teia tênue
Para que veja, extático, meu corpo
Diáfano, translúcido, trêmulo,
Desabrochar em meio a tantas pétalas.
A OUTRA
(Luz... Porto)
Quem é esta que vejo retratada em meu sofá? Reconheço-lhe os traços, mas não quem ela é de verdade. As vestimentas me remetem a um conjunto que já tive e muito usava nos anos 90. O corte chanel modificado foi adotado por mim em 2004. Em novembro. Dia em que minha tia, irmã de meu pai, falecia. Eu não sabia de nada, mas pressentia. Sentia a necessidade da mudança. E mudei.
Talvez devesse ter mudado antes. Bem antes. Tivesse trilhado outros caminhos, quem sabe não estaria mais esguia, mais plácida, mais feliz? Quem sabe os cabelos castanho-escuro, quase negros, assim se tivessem mantido? Talvez eu tivesse uma sala, um hall, uma casa. Paredes onde poderia dependurar os quadros que não tenho, mas que saberia adquirir. A velha máquina de costura coberta por um tampo de mármore a enfeitar o hall para lembrar-me da infância. As flores que desabrochariam em grandes vasos...
Que pintor soube manejar tão habilmente o pincel para retratar o que habitava o segredo de meus sonhos? Queria conhecê-lo, ver sua destreza ao transportar imagens da outra esfera para essa aqui. Em que ponto nossos caminhos se cruzaram? Ou se tangenciaram?
Li que quando não conseguimos dormir é porque estamos acordados no sonho de outrem. Estaria eu acordada em teus sonhos, pintor mascarado? Teríamos uma relação do tipo O FEITIÇO DE ÁQUILA? Quando dormes, eu acordo e quando eu durmo tu trabalhas? Como saber? Será que nestes sonhos que, inocentes, compartilhamos, somos amigos? Amantes? Será que nos sentamos à beira do riacho e as mãos as enlaçamos? Tórridas noites de paixão?
Outra possibilidade é a suscitada pela lembrança da história infantil lida e relida no Tesouro da Juventude: A DANÇA DAS DOZE PRINCESAS. Bailaríamos e rodopiaríamos por castelos em nuvens? Tomaríamos barcos levados por hábeis gondoleiros que nos cantariam berceuses de amor? Haveria árvores de pedras preciosas pelo caminho? Gastaríamos nossos sapatos de tanto dançar? E adormeceríamos juntos, um nos braços do outro, até que o despertar nos levasse a ouro plano?
Afinal qual o plano real? Este que tomamos como tal? Ou aquele em que outras coisas são possíveis, inclusive termos um leão de estimação para nos fazer companhia? Como é tênue a linha que separa um plano do outro. Como é tênue a nossa existência, tal como a concebemos.
Bem, ao menos no quadro estou feliz e contemplo tranquila algo ou alguém que me agrada. O pintor misterioso ou o amor que não vivi? O enigma desta tela há de permanecer assim. Insondável como os caminhos do Senhor. Quanto a mim, sigo com minha sina de padecer neste vale de lágrimas. Em que às vezes se esbarra com uma pedra preciosa. Terei ainda a chance de tirar a sorte grande? O tempo, senhor impiedoso, há de esclarecer..