Monday, September 25, 2006


MORRESTE-ME
(Luz... Porto)
Título inspirado em José Luís Peixoto
Morreste-me em madrugada fria,
Em noite chuvosa, ventosa.
O frio acoplou-se-me à alma cansada.
Olhei à minha volta
E meu coração agreste estava árido.
A paisagem cinza,
A cinza das horas,
Pesou-me no peito oprimido.
Envelheci uns vinte anos em vinte minutos:
Enrugou-se-me o rosto plácido,
Embranqueceram-se-me os cabelos negros
Curvaram-se-me as costas eretas,
Coagulou-se-me o sangue nas veias,
Rios subterrâneos com seus afluentes vitais.
Congelei-me qual Bela Adormecida
Entorpecida em semi-vigília.
Zumbi errante, percorria suave
A casa vazia,
Os amores esvaídos.
Morta-viva, nem saída
No suicídio encontraria.
Espectro cansado, abatido,
Vagaria para sempre
No limbo do não-esquecimento.


SEMPRE-SINA
(Luz... Porto)
Numa meia-noite,
Num fim de dia qualquer,
Calaste-me as palavras verborrágicas
Com tua língua cálida.
Eu, pura timidez,
Desfiz-me em castidade adolescente.
Num piscar de olhos
Abrigava tua boca na minha,
Respirava a vida em ti
E sufocou-me o ar, por excessivo.
Intuí então minha danação eterna,
Minha sina infeliz e incompleta:
A de ser mulher-leão,
Refém de seus próprios sentimentos,
Governada por coração desgovernante
A que faltam razão,bom senso e medida.
Mulher tola, conformada
Com sua condição de vaso,
De porto, alegre ou seguro,
À espera de navios, garrafas, marinheiros.
Sempre disposta ao perdão, à doação, à entrega.
Sempre ventre, sempre útero.
Sempre compreensão, sempre aceitação.
Fado cruel, essa sina.
Oscila com a face de Medéia:
Fel, veneno, sangue, pus,
Ressentimento, ódio, vingança, maldição,
Súicídio, assassinato, desespero.
Vertigem.
Esquife.