Monday, August 29, 2016

SCROOGE REVISITADO

(Luz... Porto)

Para Terezinha Albuquerque



Eis que do nada sou visitada, qual Scrooge, pelo espírito das séries passadas. Uma viagem e tanto, da qual emerjo com essas palavras:
Alguns alunos me acham boa professora. (Dou tabefe nos que não acharem. Rsrsrs. Tá. Podem não achar). Creio que tenha mesmo feito um certo sucesso entre os alunos. Lembro da maioria deles e muitos se lembram de mim.
Todos pensam que optei pelo magistério por conta de minha família. Claro! Um avô que larga a medicina para ser professor de Física, Química e História Natural (Biologia) não devia bater muito bem da bola. E era bom médico. Funcionou bem em mais de uma epidemia. Salvou muitas vidas.
Minhas irmãs, as três, cursaram Letras, Francisca, inglês; Bernadette e Maria do Carmo, francês. Mamãe, professora de piano, que nunca exerceu o cargo.
Fazendo um balanço - faço vários - chego à conclusão de que, a despeito de tantos professores bons que eu tive e me inspiraram, alguns já homenageei publicamente e, se precisar, repito a homenagem, quem definitivamente me marcou foi Tia Terezinha Almeida e Albuquerque.
Ela entrou em minha vida em um momento delicado. Acabar de perder meu avô no dia de meu aniversário, e não conseguira "viver o luto". Fui chorar a morte dele uns seis ou sete meses depois. Logo após o aniversário, veio o segundo semestre. Por insistência da minha irmã, que trabalhava na mesma escola, pularam-me de ano. Eu o faria com uma colega que "amarelou". Vi-me sozinha, em uma turma desconhecida, com uma professora briguenta e mal-humorada que me obrigava a fazer divisões por um método primitivo e complicado. Eu fazia contas de cabeça e ela não aceitava. Reclamava de mim com minha irmã! As meninas tampouco eram agradáveis.
Um dia, fui chamada a assistir a aula de uma professora novinha, bonita, simpática. Devia ser um teste. Examinei-a de alto a baixo. Minha nota? 10.
Veio a terceira série e eu, sem muito ânimo, nem gosto pela escola, descubro que, para minha surpresa, seria aluna da tal professora. Tia Terezinha! Para melhorar, as turmas foram redistribuídas e entraram alunas novas. Uma festa! A austeridade da escola católica foi substituída por um ambiente colorido, alegre, divertido.
No primeiro bimestre, uma surpresa. As três melhores alunas, em quesitos diversos, fariam um lanche nas Americanas. Fui no quesito "melhor aluna ou melhores notas". Márcia Bichara foi no quesito "aluna mais bem-comportada" e Rosângela Dias, no quesito "aluna mais comunicativa". Que tarde! Não sabia nem o que pedir. Morria de vergonha, mas meu coração estava aos saltos!
Tia Terezinha fazia gincanas, dividia a turma em grupos. Ganhávamos bombons, decalques, cromos. Ganhávamos ovinhos de Páscoa. Uns pintinhos, um tipo de ovo de chocolate pequeno da Garoto. Eu, que nunca apreciara a marca e nem aprecio, aguava por aquele ovo.
Fizemos teatro. Uma peça em que eu era o narrador. Chamava-se "Enquanto há vida, há esperança". Ou talvez essa fosse a moral da peça. Não lembro bem.Fomos ao Museu do ìndio. Comprei um arco e flecha que nunca usei e que mamãe terminou jogando fora.
A partir de um certo momento, decidi que a professora de longas e lindas Marias Chiquinhas deveria ser recompensada. Passei a separar moedas das que juntava em casa para comprar dois batons (chocolates) por recreio. Entrava em sala qual um gato que, para demonstrar amor ao humano que o resgatou, costuma caçar e entregar-lhe suas presas como forma de carinho e respeito, e os deixava sobre a mesa. Ela já sabia de quem era...
Tia Terezinha estimulava festas, encontros. E muito diálogo. Falava de sua vida, apresentou-nos a seu noivo, tio Carlinho.
Passei a ir a aniversários nas casas de colegas e na casa da própria professora, que não me poupou no final de ano: Tive que cantar e dançar
(eu? Essa vassoura?) Karani Karanuê. Senti-me mais feliz do que uma criança dos anos 80 que tivesse ido ao Xou da Xuxa.
Para me sentir mais emocionada e valorizada, ela me deu uma boneca de Natal por meu desempenho, dedicação. Quase tive um troço. Contive-me. É, crianças. Já fui assim.
Na quarta série continuamos com ela e ganhamos outras duas. Muito boas também. Mas Tia Terezinha era inigualável. Ela tinha um jeito especial de nos fazer a TODAS sentir importantes. Tive aula com uma menina órfã, de orfanato. Uma vez ela tirou 10. Vibrei de alegria.Não me lembro de bullying, brigas sérias. Havia implicâncias, claro. Mesmo Tia Terezinha era implicante,
Vieram as férias de julho, tive coqueluche. Fiquei muito mal. Achei que fosse morrer. Na volta, minha irmã vem com a notícia de que Tia Terezinha não estaria mais na escola. Gelei por dentro. Para me animar, minha irmã disse que duas amigas dela, a quem eu conhecia desde bebê, substituiriam as professoras afastadas. Novamente não "vivi o luto". Chorava escondido.
Quando voltamos, uma das alunas mais estabanadas, meio gorda, numa visão de FELICIDADE CLANDESTINA, mas com o coração enorme, teve um choque ao saber. Ficou vermelha, chorou, soluçou, perdeu o ar. Nós, as "educadinhas, que não davam vexame" assistíamos à cena impassíveis. Impassível eu? Nunquinha. Queria me atirar no chão com ela, promover uma rebelião pela volta de nossa Musa. Acovardei-me.
O semestre começou com uma alegria falsa para mim. Devíamos dar mostras de um certo descontentamento, pois ficamos algumas vezes de castigo, cabeça baixa (eu em pânico! Voltava de ônibus escolar que não esperava!). A magia terminara. Por mais que elas fossem capazes - e eram, era covardia disputar com Tia Terezinha.
Por esse e outros fatores, não consegui continuar na escola. Fui para outra, também católica. Nesta concluí o fundamental e fiz o Ensino Médio. As freiras eram ótimas. Divertidas, inesperadas, bonachonas, amigas. Também aprendi muito lá. Aprendi a me soltar, a rir mais, a ter mais autonomia.
Tia Terezinha ficou esquecida em um canto de meu coração como uma ferida que quase cicatriza, mas que, ao menor toque, volta a sangrar. Muitos de meus namorados a conheceram por foto. A maioria de meus alunos de Estágio ou Prática de Ensino ouviu falar dela. Era sempre a referência como professora.
Sem que eu me desse conta, tive a coragem de usar batom vermelho, uso até hoje, e unhas vermelhas. Não lembro do batom, mas Tia Terezinha usava as unhas pintadas. Há uns oito anos uma aluna me apareceu em sala com uma bolsa de lona, decorada com cola colorida, exibindo os dizeres: PROFESSORA FELIZ. Encomendei uma, usei-a até ficar imunda e maltratada. Minha faxineira a consertou. Zombaram de mim, me questionaram e uma ex- colega perguntou em pleno salão de beleza: "Mas quem é a doida que pode ser professora e se achar feliz?" Placidamente repondi: " A doida sou eu. A doida feliz.."