Sunday, June 28, 2009


Ton sur ton
(Luz... Porto)

Deus me deu uma filha em hora crepuscular.
Quando tudo já se esvai ou se sabe a ocaso.
Deus, quem sabe o Diabo, quis que me alegrasse
Essa menina –estrela que refulge e ilumina.

Pois que tenho uma filha, volto aos medos pretéritos:
“Já chegou?”, “Com quem saiu?”, “Conheço os pais?”
“Está com febre?”, “Comendo direito?”, “Os dentes escovou?”
E sorrio, balanço a cabeça, sei que ela se vira.

Eis que já tenho herdeira
Para a coleção do Quarteto, do Chico e do Tom.
Herdeira de direito e de bom gosto.
Pois que gosto não se ensina nem se transmite:
Apenas se tem.

E sou cada vez mais, eu que nem me imaginava,
A mãe súbita, a mão estendida, o verso frouxo,
Cansada de tantas perdas, de tanta saudade...
Sou eu a que agora apresento ao pai a neta,
Mais uma para ele cuidar.

E essa não é a Rebecca, a Roberta, nem a Laura.
Não é a Irene, Virgínia, nem a Débora.
Essa é a Paula, qual o avô não conhecido
E é a Ana, três letras apenas, como em Sol,
Sal, céu, sul, mar e essas bossas bossanovísticas.

Deus me deu uma filha
-E nem sei se a mereci-
Mas de tanto cuidar dos outros
Talvez um descanso tenha reservado para mim.

E eu, grávida de música,
Ouço-lhe a voz distante cantarolar
Acordes suaves em longínqua Mascarada,
Vendo-a em flor se formar em segredo
Pruma estrada que vai dar em Ipanema, Em Paris ou em sei lá.

Sei que o mundo vai de mim levá-la
Pois que para a árvore nenhum fruto feito é
Mas sei que nela estarei também
E tocarei cada rosa que ela tocar
E me alegrarei com sua caminhada
Que já desponta, com ela sorridente.

Esta Ana, este S.O.S. que , náufraga, enviei
Foi achada em outras plagas, lá bem longe
Onde não bate o mar
Mas onde florescem rúculas verdes e coelhos saltitam
E onde Rios se riem e se juntam
Para no oceano maior desaguar.



(Luz... Porto)


Vim, extenuada, por tantos caminhos,

Tijolos amarelos, esmeraldas pontiagudas,

Sempre trazendo em meu peito sozinho

Uma chama, um pedido de ajuda.


Vim, cambaleante, por tortas estradas,

Portos abandonados, barcos sem cais,

Camas baratas e eu, sem morada,

Ouvindo ao longe o clamor do "não mais."


Vim, e nem sei por que insisti,

Muitos bares,bodegas, shows e quermesses.

Por muito, muito pouco, quase desisti

E talvez sábio teria sido se o fizesse.


Mas, Pandora nos dita a sina:

Tonta fui e abri o cofre,

O que carrego desde menina,

Aquele por que toda gente sofre.


Dentro dele, quieta, só havia

A me espreitar, me cercar, malsã

-E sei que em sonhos já a via-

A triste e falsa esperança vã.