Thursday, January 08, 2015

ADIEU


(Luz... Porto)





Meu irmão, perco-te na vida
Para encontrá-lo na morte.
Se a vida nos reserva algo de porte,
Não foi nesta que o galgaste com tua lida.



Meu irmão, nosso sangue se mistura
Como misturado já fora no útero materno.
Nossa descendência não se depura,
Queria tanto um último abraço fraterno.

Não sei se sinto falta de ti
Ou se sinto falta de mim, irmão.
Procuro, reviro e não estás aqui.
Vazio e desalento invadem-me o coração.

A hemorragia foi grande, severa.
Artérias rompidas, passagem dolorosa.
Quando soube, fiquei à espera
Do esquife, teu corpo, tua casca já porosa.

Nunca pensei sentir tanta falta,
Nunca supus que te fosses antes de mim,
Mas o destino, cruel ribalta,
O destino ardiloso quis assim.

Meu irmão, de bom grado te daria
Artérias, fígado, veias, rim.
Mas nada, nada, nada, enfim,
De volta aos teus de bom grado te traria.

Sinto-me impassível, impossibilitada, travada.
Não pude, irmão, mudar teu destino.
Tua ausência preenche dias, madrugadas
E me perco, me afogo num só desatino.

Dizem que um dia de reencontrar havemos.
Anseio, espero, aguardo com ardor
A hora, o minuto, o segundo de nos revermos.
Queria que acreditasses no meu amor.

Se de ti me apartei não foi querendo.
Foram a vida, as escolhas, meu jeito torto.
Se pudesse eu voltava. Mudava, mesmo sofrendo
Para não ter de ouvir tão cedo:"Teu irmão está morto".

Tuesday, January 06, 2015

TWELFTH NIGHT TUPINIQUIM
(Luz... Porto)


Para José Carlos Pacheco Cesar Fernandes




Há muitos anos, resolvi celebrar o Dia de Reis com um amigo. Embora de família católica, não tínhamos o hábito dessa celebração. Dia 6 de janeiro era apenas o dia de desarmar a árvore, sabe-se Deus porque.
Foi uma celebração pequena. Íntima e festiva. Fomos a um restaurante, que já não existe mais, e, após a sobremesa, eu abri a romã que colhera da árvore da vizinha.
Sim. Havia jardins, havia romãs naquele tempo. Não havia pressa para mim. Conversávamos horas a fio. Lembro que estreei um vestido novo que eu desenhara. Crepe musson com crepe georgette finíssimo. Vermelho para combinar com a romã. Comemos o número exato (não lembro quantos. 12, talvez) de caroços e os guardamos para a Boa Fortuna. Não me lembro o ano, mas lembro a época. Creio que a Fortuna me sorria, ainda que só viesse a dar conta disto mais tarde.
Falam em Reisado, Folia de Reis, mas o dia 6, celebrado até por Shakespeare em 12th Night (Noite de Reis) é a consagração do nascimento de Jesus. Os três Reis Magos, Melchior, Gaspar e Balthazar, teriam sido avisados da vinda do Messias e, seguindo uma estrela, localizaram o Menino-Deus em um estábulo. Segundo o site das Edições Paulinas, eles eram "magos" por sua sabedoria, não por "se dedicarem a práticas nefastas, como a da Astrologia."
Impossível, para mim, concordar com essa visão. A realeza, a divindade do Menino são reconhecidas após uma mandala de 12 noites. Andei postando o significado de cada noite através da Biblioteca de Antroposofia. A cada uma corresponde uma constelação,um signo. E a mandala astrológica roda no sentido anti-horário, de tal sorte que a décima-segunda corresponde ao signo de Áries, o primeiro deles. A origem da Vida. A Primavera.
E não seria o nascimento do Messias esse desabrochar, essa luz nova que surge após o longo inverno?
Curiosamente essa tríade de reis presenteará o menino com três coisas específicas e relevantes: o ouro, que confirma a Realeza. O incenso a reafirmar o caráter divino do recém-nascido. E a mirra que denota a sua porção humana.
Os reis foram canonizados. Seus restos mortais permaneceram em Constantinopla até serem trasladados para Milão. Finalmente foram movidos para Colônia, Alemanha, onde seus despojos repousam sob a Basílica dos Reis.
Essas informações a gente encontra fácil na Internet, mas o sentido dessa visita, dessa peregrinação iniciada na noite de 24 para 25, não se encontra nos Compêndios. Não o sentido real. Afinal, o que nós, nem reis, nem magos, mas não menos viajores, vamos ofertar ao Deus-menino que renasceu em nós? Não uma lista de resoluções para o Ano Novo. Que será Bom, espero. Mas algo íntimo, nosso. Um talento que nos foi confiado pelo Pai e que devemos, ao menos, tentar desenvolver. Bem, essa conversa de pé-de-ouvido é entre cada um e Jesus Cristinho. 
Celebrarei esse dia amanhã, com o mesmo amigo. E o tom da minha conversa com a Segunda Pessoa da Trindade, nem eu mesma sei. Apenas desconfio. Mas é no silêncio que essas coisas são ditas. E serão.

Sunday, January 04, 2015


ÂNGELUS

(Luz.. Porto)



A Hora do Ângelus se aproxima
Gabriel retorna e fala à Virgem:
"Bendita és eternidade afora.
Quem aceita de Deus seu Fado em cima
No Livro de Ouro terá seu nome
Gravado, Imaculado desde agora.
A Mãe que, em lágrimas, perde seu filho
Para um Bem Maior, o Bem do Homem,
Não perdeu sangue, luto, dor, ao pó
Do qual veio e ao qual voltará um dia."
Maria ajoelha, sabe-se só.
Pela janela fita o horizonte.
Pede um sinal e o Pai manda Vesper
Que brilha na constelação de Virgus.
A jovem abre os braços, toma o Fardo.
"Eis-me aqui, escrava de ti, Senhor.
Cumpra-se em mim Tua Santa Palavra.
O que precisares que eu sofra, deixo."
E o Universo retomou seu eixo.