Saturday, February 21, 2015

AMANHECE - Fragmento


(Luz... Porto)



Amanhece sobre Copacabana. Sobre a Zona Norte. Sobre a Baixada. Amanhece e eu, do poço fundo onde me encontro, só consigo perceber que estou cercada por árvores, por verde, por azul. Tudo tão inatingível...
As cores me chamam para fora. A subida é íngreme. Não tenho artefatos de escalada, as paredes são lisas. Como emergir das trevas para essa luz encantadora? As unhas sangram. Foram-se na tentativa do movimento de ascensão.
Resta, porém, uma vaga esperança. A de esperar a temporada de chuvas. Ela se avizinha. No fundo do poço corre um rio que em breve subirá. Eu, criança das montanhas, não sei nadar nem boiar. Mas a única salvação é essa água que me levará à superfície. Que eu não sossobre, meu Deus.
Deus dos sem-Deuses, ouve minha súplica e te apieda dessa ovelha desgarrada. Que meu corpo cansado possa se deitar na relva e secar à luz do sol... 

SCARLET LETTER


(Luz... Porto)





Tivesse eu o dom de, com a pena,
Transmutar o meu penar
Em coisa simples e leves,
Certamente endereçaria a ti uma carta.
De amor? Não sei...
Uma carta com arco-íris, borboletas,
Pôr-do-sol, algodão-doce, pirilampos.
Uma carta tal que nos fizesse esquecer
Os longos desenganos, 
As estradas tortuosas por que trilhamos,
Fazendo com que tu ficasses de um lado,
Eu, de outro, com um abismo
A nos separar em definitivo.
Não tenho, entretanto, esse dom
-Sabe Deus se algum eu terei!-
Então emudeço e envio a missiva,
Um Kandinski monocromático,
Pontilhado de vermelho
Do meu sangue ralo extraído
Ao apertar contra o peito
As rosas que perfumam
O fino papel branco que, em lágrimas, te envio.