Thursday, June 19, 2014

HOJE É DIA DE CHICO

(Luz... Porto)


Nunca imaginei que Chico completaria 70 anos. Não que achasse, muito menos desejasse, que ele fosse morrer cedo. Mas ídolos não envelhecem. E, criança que eu era, achava 70 anos idade de avô e de bisavô. Era a idade de O Velho, que me soava triste, muito triste. Ao contrário dele, eu lastimaria...
Na verdade, devo ter é medo de envelhecer. Medo da morte. Por isso, talvez, Futuros Amantes me encha o coração e a alma de esperança. O amor que ultrapassa a morte e se mantém intacto na posta restante, milênios, milênios no ar...
Esperança que eu não entendia na época do Sabiá. Música esquisita, versos criptografados para uma menina boba que assistia aos festivais escondida atrás do sofá. Não conseguia entender as vaias à canção tão linda, defendida por aquelas duas moças tão bonitas que pareciam as gêmeas do Circo Místico. Pressentia a importância da canção que não me saía da cabeça, particularmente nas tardes de novembro quando ia com minhas irmãs a uma costureira chata, com cheiro e feições de cachorro pequinês. Sabiá me acompanhava na minha rádio-cabeça que nem imaginava que eu haveria de ser um dia "essa menina que você seduz".
A Banda já tinha passado, com outra moça bonita, que nos deixou tão cedo. Carolina me deixava triste. Dava vontade de sacudi-la e dizer:"Olha, esse Chico está cantando pra você. Ele é meio magrela e sem graça. Mas você pode gostar de olhos claros. Eu não faço questão. E, olha, menina, ele canta bem e canta cada coisa! Vai, dá uma chance pra ele".
Até Pensei era a minha cara. Ainda é uma delas. Mas na época, eu tinha uma amiga imaginária, a Auxiliadora, que morava na Casa das Bartholdy, atual Solar do Jambeiro. Costumava pegar uma cadeira e me ajoelhar nela para chegar à altura do parapeito da janela do quarto das minhas irmãs mais velhas, quarto que viria a ser meu. De lá eu via um pedaço da casa e do quase bosque que havia. E sonhava. Imaginava os azulejos. Não sabia que eram portugueses. Não sabia o que eram azulejos portugueses. Aos domingos, na Igreja, me continha para não chegar perto da irmãs Bartholdy, que viviam sozinhas na chácara, e pedir para passar um dia com elas. Eu me comportaria, não tocaria em nada. Só com os olhos. Mas a timidez falava mais alto.
E Roda-Viva, apresentada com aqueles quatro rapazes solenes? Linda e melancólica. Afinal, a Roda-Viva carrega até a saudade pra lá. Mas era irresistível. E que letra mais comprida! Adolescente, quase 'briguei' com a canção por ter errado a classificação de uma oração em uma prova! Cáspite! Usar uma beleza dessas em prova de gramática... Se eu não gostasse tanto da professora, teria desistido de cursar Letras.
Por outro lado, tinha Até Segunda-Feira e Januária. Músicas alegres. E Bom-Tempo? Explosão de alegria. Só numa música dessas eu conseguiria gostar de um domingo, dia tão opressivo para mim. E ainda falava da vitória do nosso Tricolor...
Desencontro soava pungente, muito pungente, nas vozes de Chico e Toquinho. "Não sei se você inda é a mesma ou se cortou os cabelos, rasgou o que é meu. Se ainda tem saudades e sofre como eu ou tudo já passou, já tem novo amor, já me esqueceu". É. A gente nunca sabe. E, havendo um reencontro, a memória trai. Tanto a de um quanto a do outro. E o mais frágil cai em tentação.
E Retrato em Branco e Preto? Punhalada no coração. "Já conheço os passos dessa estrada, sei que não vai dar em nada..." Pois é, né, Chico? A gente conhece, sabe e ...erra! Ou cai de novo nas mesmas armadilhas que criou...
Cito essas canções porque são de uma época de grandes descobertas e de formação da personalidade e do caráter. A infância.
Minha irmã mais velha ficara noiva do meu cunhado. Em maio. 14, talvez. Em setembro eles deram à minha outra irmã o LP Chico Buarque de Hollanda volume 3. Com a maior parte delas. Viciei-me no LP, que ouvia escondida já que a dona não tinha saco para ouvi-lo N vezes como eu. E a dona do LP era também a detentora da vitrola. Aí já viu, né?
Daí vieram o Chico Buarque de Hollanda volume 4, Construção, o precioso compacto do filme Joana Francesa, Sinal Fechado, Chico e Caetano, Chico Canta (Calabar censurado), Chico e Bethânia, Meus Caros Amigos, o Chico da Feijoada Completa, Vida, Almanaque, a compra dos antigos do Chico (volume 1 e volume 2), Saltimbancos, O Grande Circo Místico, o compacto com a trilha de Bye-Bye Brasil, o relançamento de Quando o Carnaval chegar, as trilhas de A Ópera do Malandro, o musical e o filme, o de capa vermelho com Pelas Tabelas e Vai Passar, ufa! Não foi uma tentativa de arrolar as obras do Mestre. Para isso iria ao Google. Foi uma evocação da memória afetiva.
Para cada um desses LPs, sim, sou da época do vinil, sim tenho todos os álbuns citados em vinil e em CD, exceto os compactos, que não sou besta nem nada, para cada um deles, há uma história, houve uma enorme expectativa. Ele, Elis, Caetano, Bethânia, Roberto, gravavam um álbum por ano. O do Chico costumava ser lançado no segundo semestre e era ansiosamente aguardado. Confesso que quando os lançamentos do Chico começaram a espaçar, meu céu ficou mais nublado. Muito mais. Não que eu não aprecie o Chico escritor, de forma alguma. Não seria louca. Mas o Chico compositor embalava meus sonhos, acalentava minha alma e dava uma cadência mais ritmada e lenta a meu mundo. Em outubro, novembro, chegará mais um. E o tempo andava sem pressa.
Agora, tenho a impressão de saltar as noites sem me refazer, não para encontrar alguém que ficaria confuso por me ver chegando assim mil dias antes de conhecê-lo, mas antes para me encontrar de vez com a Roda-Viva que não deixará sobrar nada...

Monday, June 16, 2014

DESSAS

(Luz... Porto)


Sabe, meu bem, não sou dessas
Que andam por aí só caçando homens
Na noite e em bares lotados à beça
Para satisfazer minha fome.
Nem me importaria com o quanto meças,
Nem com o que trouxeste contigo.
Mas, tola, me fio sim em promessas,
Especialmente aquelas nunca ditas,
Que são feitas com olhos mentirosos
E corações gentis e empedernidos.
Não me agarro em halls de elevadores,
Não beijo jamais em praças malditas,
Não beijo nunca em primeiros encontros.
Cama é desses assuntos demorados.
Assuntos que devem ser bem tratados.
Sabe, meu bem, eu sou dessas
Dessas mulheres muito, muito antigas,
Dessas cheias de fita e de pudores.
Sem eles não há paixão que resista.
Embora seja pra ti que eu me dispa,
E que o faça com gestos controversos,
Duvido que consigas discernir
A verdade da mentira nestes versos.

A NINFA E O UNICÓRNIO
(Luz... Porto)
para Gilberto Schmütz Gouma



Esses seres mitológicos
Sabem ser tão solitários.
Pode parecer ilógico
Que queiram sair do aquário,

Queiram vir pra superfície
E buscar por companhia,
Uma alma de artífice
Que saiba dar alegria,

Amizade, colo, afeto.
Não se importe com a aparência,
Acolha-os sob o teto
Onde mora a inocência.

Sunday, June 15, 2014

BOTÂNICA
(Luz... Porto)


Minha mãe plantava flores,
Eu achava uma bobagem.
Lamentando-se de dores,
Roubava também folhagens.

E, pirralha que eu era,
Com certeza não sabia
Que flores, frutos e hera
Tão bem à alma faziam

Agora está tudo morto.
Virou cimento o jardim.
"Essa casa não é horto!",
Falou minha irmã pra mim.

Minha casa tinha cores
Enfeitando a paisagem.
Eu me morria de amores...
Hoje só resta a miragem.